segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Dos contra-fortes da Montanha

Encravada no sopé dos morros, que delimitam a fronteira do isolamento, o Calvo tem o mesmo nome do ribeiro que rega os campos onde abundam hoje pastos semi-abandonados.
Outrora terra de moleiros que ao longo do curso da água iam construindo as suas azenhas e moendo dia e noite as dificuldades da vida.
O Calvo nunca foi uma aldeia muito próspera mas era e continua a ser um aprazível e muito soalheiro local.
Hoje da pacata e calma aldeia ou quintarola pouco mais resta que grandes amontoados de pedra que já serviram de abrigo, de alegria e de orgulho a quem os construiu: hoje apenas os coelhos e alguns répteis povoam a zona, escondendo-se ao menor ruído.
O Calvo é um mitigo povoado que vai desaparecendo com o passar dos tempos até se apagar por completo das nossas memórias.
Recorde-se que o calvo serviu para efectuar a Romanização dos povos castrejos que se encontravam guarnecidos no cimo de alguns morros, servindo o rio como estrada de orientação, pois só assim e neste contexto se compreendem a constituição de aldeamentos como Calvo, Cachão, Agordela, sendo esta última uma colónia administrativa ou ponto de troca de produtos entre Romanos e as populações castrejas.
O Calvo encontra-se também a delimitar uma zona natural que o homem ao longo dos tempos respeitou sem se aperceber, a sul desta pequena aldeia a terra quente, a norte a terra fria, existindo aí (Calvo) um micro-clima bastante especial.
A terra quente povoada mais intensamente a partir da Romanização com a introdução da cultura da vinha e da oliveira, as principais fontes de riqueza da região.
A terra fria povoada desde os remotos aqui se encontram grande parte dos castros, pois nesta região, a estação seca não é tão intensa e encontravam com mais abundância pastagens para a agro-pecuária (pastorícia) dos povos primitivos.
A terra quente possui desde a romanização produtos mais facilmente comercializáveis, daí a existência de moeda e de um enriquecimento mais fácil por parte dos proprietários rurais que se traduz nas casas solarengas que se encontram na parte sul ou terra quente.
Com a introdução da batata e da criação de gado, nomeadamente o leiteiro e a exploração de alguns minerais e a comercialização mais intensa da castanha, a terra fria e as suas humildes aldeias começaram a ter melhores condições de vida.
Dos contra Fortes da Montanha aparecerá sempre a despertar e a enriquecer a monografia que é de todos nós; não para que os nossos filhos tenham orgulho da sua terra, mas para que os nossos filhos não tenham que fugir dela; para que continuem também eles a pisar os nossos caminhos, a labutar para que os seus filhos continuem também eles aqui.
Será que os filhos do Calvo ou do Cachão já não se orgulham a ter nascido lá?
Não vos peço para visitar o Calvo ou o Cachão, porque abrir a boca e dizer que interessante, que beleza natural é o que ultimamente se tem feito e como tal, é preferível não conhecer; que participar no pecado de nada fazer.
Artigo de Henrique Rodrigues – ( Jornal “ Negócios de Valpaços “ Abril/1995 )

Quando em 1995 escrevi este texto não estava no meu horizonte passados 14 anos vir a encontra-lo publicado no sito da Junta de Freguesia de Santa Valha, mas quis o destino que eu o voltasse a reler e para mal dos meus pecados, hoje, sou um fugitivo dessas paragens…
O conteúdo continua totalmente válido e actual, passou a febre dos fundos comunitários, dos turismos de habitação e o pouco, que é muito porque nunca ninguém fez mais, que eu tenha conhecimento, deve-se ao Dr. Adérito Freitas que calcorreou esses acidentados territórios para nos deixar uma publicação daquela que era a principal actividade do povoado do Calvo.
O Dr. Adérito Freitas foi dos poucos que participou no pecado de conhecer e fez qualquer coisa e por isso o meu bem-haja, pois só desta forma é possível não deixar morrer pelo menos a memória…

Henrique Rodrigues

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

CAMINOS DE SANTIAGO

Num tempo tão cronometrado onde as milésimas de segundo já são muito tempo, parece não fazer sentido falar em longas caminhadas … Peregrinações têm odor medieval, onde as deslocações se arrastavam no tempo, hoje parecem uma eternidade.
Tal como escreve o poeta espanhol António Machado “o caminho faz-se caminhando” e a nossa “peregrinação” pode implicar o nosso quintal o nosso planeta ou nos dias de hoje sair desta orbita. O Homem tem necessidade de peregrinar, de conhecer, de sair da rotina, de viajar, de se lançar em novas empreitadas, de se renovar em cada estação do ano, do eterno devir do dia e da noite.
A humanidade deve muito a estes aventureiros insatisfeitos que calcorrearam serranias por questões diversas, disseminando conhecimentos e formas de estar na vida e na sociedade.
As peregrinações a Lugares Sagrados remontam aos meados do século IX isto no mundo Cristão porque o no mundo Islâmico as peregrinações a Meca já aconteciam, Santiago de Compostela desde muito cedo foi um dos lugares de maior peregrinação em todo o mundo.
Os Caminhos de Santiago são aqueles que mais romeiros movimentaram por toda a Península Ibérica durante a Idade Media, muitos deles aproveitaram as antigas Vias Romanas, os leitos dos rios e os movimentos comerciais que se iam fazendo em termos regionais, uma vez que a rede viária era deficitária. Os peregrinos iam apanhando boleia de outros grupos de pessoas que se deslocavam e com quem conviviam durante um determinado período ou troço do seu percurso.
Estes Caminhos, têm hoje uma maior divulgação e despertam maior atenção fruto do bom relacionamento que hoje existe entre Portugal e Espanha e da importância que Compostela tem no turismo Galego. Estes itinerários no passado eram muito complicados uma vez que o povoamento era pouco, as vias acidentadas e isoladas por densas matas, uma vês que muitas das aldeias e lugarejos que hoje existem surgiram depois do reinado de D. Dinis que mandou edificar o Castelo de Monforte de Rio Livre e povoar estas terras raianas com o objectivo evitar o avanço dos castelhanos.
Redescobrir os Caminos de Santiago leva-me hoje a falar do Caminho que ligava as margens do Tua (Romeu – Mirandela a Monterrey na Galiza) os caminheiros tinham variadas alternativas mas quanto maior fosse o grupo mais facilmente enfrentavam as adversidades. Estes trilhos foram mais tarde utilizados como rotas de contrabando entre os dois Países.
Existiram por toda esta região inúmeros albergues e hospitais que acolhiam, alimentavam e prestavam o mais variado apoio aos peregrinos que caminhavam em média 5 a 6 léguas por dia. Ao definir este troço do caminho entre a aldeia de Romeu e Osoño na Galiza estou a assumir que nestes locais existiram albergues ou hospitais onde se reuniam e apoiavam peregrinos.
Utilizavam este caminho os peregrinos que se deslocavam da Terra Quente Transmontana e da Bacia do Douro, após atingirem a aldeia de Romeu e a aí pernoitar iniciam nova etapa tomando a direcção de Vale de Salgueiro seguindo o Rio Rabaçal até atingir a antiga via romana perto da Aldeia de Valtelhas entrando no município de Valpaços pela freguesia dos Possacos, subindo em direcção a Vale de Casas até atingir o termo de Vilarandelo, daí seguiam em direcção á Murada de Lamas – de – Ouriço e desta até á Capela de Santiago do Monte ou também conhecida por Santiago da Amoreira, aí entravam no Município de Chaves pela freguesia de Oucidres e dali seguiam em direcção a Mairos cruzando a fronteira até atingir Osoño na Galiza e onde pernoitavam e se juntavam a outros peregrinos com o mesmo destino. Existia e ainda existe a crença muito enraizada, nas pessoas mais idosas de que “Quem não for a Santiago em vida irá lá depois de morto”. Ainda se reza a seguinte oração depois de defunto confirmado, calça-se e diz-se “alma vai pra Santiago” tendo como crença que as almas passam por esta localidade Galega.
Estes trajectos que hoje teriam que ter coordenadas “GPS” fazem todo o sentido e é por esse motivo que por toda a Galiza encontrámos a sinalética de Caminos de Santiago e entre nós temos alguns troços sinalizados não só dos Caminos de Santiago como das Vias Romanas, seria bom que se alargasse esta sinalização, mas seria mais importante que se recuperasse e se divulgasse aquele que foi o património edificado associado às peregrinações.
O Santiago da Amoreira já não existe em termos de Capela edificada, mas existe o lugar e muitas lendas associadas ao Santo, que um dia contarei, é um dever das autoridades locais não se pouparem a esforços para divulgar e preservar este património supra municipal que nunca foi reconhecido estudado e lamentávelmente nem divulgado.


Henrique Rodrigues