sexta-feira, 27 de novembro de 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Lei da Memoria Histórica

Passaram 70 anos mas as feridas ainda não sararam, a terapia do esquecimento pode ter pacificado o passado mas não o resolveu…
A Guerra Civil Espanhola foi do outro lado da rua e por consequência na nossa rua, somos raianos, ainda que desde crianças, tenhamos ouvido o ditado popular “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”, foi a nós que muitos deles recorreram nesse período doloroso, trágico e de aflição e é a eles que nós recorremos quando o ambiente interno começa a ficar pesado.
Os “Vermelhos “ como eram conhecidos os foragidos e perseguidos dos dois lados da fronteira por convicções políticas e ideológicas refugiaram-se nestas serranias, apoiados muitas vezes pelas populações locais que com o seu silêncio conivente protegiam e alimentavam, mais algumas bocas, em tempos de fome, em que tudo era racionado e controlado.
Os filões do Volfrâmio criaram postos de trabalho por estas terras sedentes de uma actividade lucrativa, a extracção destes minerais, suportavam a máquina de guerra e os desejos Nazis de dominar o Mundo. Estes braços que volviam as entranhas das serras apenas alimentavam o sonho da sobrevivência a guerra ali ao lado apenas escoava de forma lícita ou ilícita aquilo que era arrancado a ferros.
A década de 1940 por estas terras apresenta um pico demográfico que se justifica pela actividade extractiva que se desenvolveu e pelo conflito interno Espanhol e Europeu que se lhe seguiu, que não permitiram a fuga para emigração.
Os nuestros ermanos carregam o peso da brutalidade que o Generalíssimo Francisco Franco lhe impôs ao conquistar a Espanha aos Espanhóis, após a morte de duzentas mil pessoas e prisão de um milhão em campos de concentração, este país ficou com feridas abertas e com muito sangue derramado. A Guerra Civil Espanhola serviu de tubo de ensaio à II Guerra Mundial a todos os níveis, não só bélico.
A nossa proximidade geográfica e ideológica levou muitos Portugueses a envolver-se directa e indirectamente no conflito do qual ainda guardámos algumas mazelas, para não dizer feridas como o que ocorreu em Cambedo da Raia (Chaves) em 22 de Dezembro de 1946, silenciada e deturpada pela comunicação social da altura e pouco divulgada nos dias de hoje.
A aldeia foi cercada e violentamente atacada porque supostamente acolhia dissidentes da Guerra Civil Espanhola o Tribunal Militar do Porto humilhou, massacrou, torturou e condenou a quase totalidade dos moradores da aldeia. Esta operação orquestrada pelas autoridades Lusas visava um efeito dissuasor de não acolhimento dos tais bandoleiros, bandidos, contrabandistas, assaltantes, culpados de todos crimes que ocorriam por estas bandas.
A Guerra Civil Espanhola foi vivida e sentida intensamente pelas populações raianas e nunca lhe foi dada a importância e relevância que estes acontecimentos tiveram e a prova disso é a necessidade que os políticos espanhóis tiveram de passados 70 anos publicarem uma lei, a” Lei da Memoria Histórica” que fractura e mexe com os sentimentos de todo um povo.
A lei da memória histórica pode não ter efeitos jurídicos, podem não servir para apontar culpados, pode não repor justiça mas pelo menos serve para mostrar ao mundo o que foi o ensaio da Guerra do Extermínio e o privar as famílias de velar e chorar os seus mortos.
Se existem convenções internacionais a permitirem a busca e localização de desaparecidos não fazia sentido privar o povo Espanhol dos seus mártires que foram sepultados em valas comuns um pouco por toda a Espanha.
Os 70 anos da Guerra Civil Espanhola foram o mote mas na verdade aquilo que pretendo com estas humildes palavras é homenagear aqueles que resistiram e aqueles que os acolheram, como disse Aristides de Sousa Mendes “Não participo em chacinas e por isso desobedeço a Salazar”, também aqui felizmente houve quem não acatasse as ordens, quem desafiasse a sorte e nunca fosse reconhecido e no entanto salvou algumas vidas, alimentou algumas bocas, arriscou a sua pele.
Aristides de Sousa Mendes tardiamente foi reconhecido, mas quantos de vós já ouviu falar do vosso conterrâneo João David Alves?
Em quantas praças ruas ou vielas já viste este nome?
A diferença entre um Homem e um Grande Homem esta na coragem com que enfrentámos os nossos medos, na determinação com que abraçamos as causas e na intensidade com que vivemos os nossos dias.
João David Alves já faleceu não o conheci pessoalmente, conheço alguns dos seus familiares, o Monumento que nos legou é anterior ao Vale dos Caídos não tem a imponência deste, mas nele está reflectida a realidade que se vivia nestas terras raianas em 1939. Feliz ou infelizmente chegou aos nossos dias, ainda que não conste dos roteiros turísticos e a nível municipal ainda não mereceu uma única referencia…
Foi erguido pelos mesmos vencidos que ergueram o Vale dos Caídos, por refugiados que eram procurados dos dois lados da fronteira, que encontraram em Lamas de Ouriço, João David e uma encosta esquecida onde cavaram um buraco (mina sem água e sem minério) e se esconderam.
Estes Homens foram alimentados por João David silenciados pelos vizinhos estiveram ali por um largo período e este Homem tal como os habitantes de Cambedo da Raia salvaram vidas e arriscaram a própria vida.
Será um acto de elementar justiça que as autoridades municipais se debruçassem sobre este e sobre outros períodos da nossa história pois em todo tempo o povo Transmontano sempre pôs em prática aquilo que muitos apenas deixam nos discursos.
Lamas de Ouriço e este Homem são o exemplo que no anonimato e no silêncio também se travam intensas batalhas das quais nos devemos orgulhar… à luta do Povo Espanhol também teve capítulos que se desenrolaram no outro lado da rua…



Henrique Rodrigues

"Os desafios podem ser degraus ou obstáculos"